Junho
Mês
do Sagrado Coração de Jesus
“Tende
em vós os mesmos sentimentos de Jesus Cristo” (Fil
2,5)
Assim como o mês de maio é dedicado a
Nossa Senhora, o mês de junho na Igreja Católica é presidido pela presença
amorosa do Sagrado Coração de Jesus.
Devoção nascida na Europa, em Paray le Monial, a partir de uma
experiência mística da religiosa visitandina Santa Margarida Maria Alacocque e
propagada pela Companhia de Jesus, tendo à frente São Cláudio de la Colombière,
diretor espiritual da religiosa em questão, a devoção ao Coração de Jesus
espalhou-se rapidamente pelo mundo inteiro, inclusive no Brasil.
Em que consiste essa espiritualidade
do coração de Jesus, que, apesar de sua proveniência europeia, teve tanto êxito
em terras brasileiras, sobretudo no primeiro quartel do século XX, quando
cresceram e vicejaram muitas associações como o Apostolado da oração e
congregações missionárias inspiradas neste carisma?
Na verdade, o coração de Jesus é o
centro de sua pessoa e seu mistério.
Através desse coração, Jesus de Nazaré, Deus encarnado no meio de nós,
se comunicava ardente de amor com seu divino Pai e derramava sua amorosa
compaixão sobre todos aqueles e aquelas que dele se aproximavam necessitados de
cura, consolo ou vida em abundancia.
A cristologia (a parte da teologia
que reflete sobre este mistério da pessoa de Jesus Cristo) não se desenvolve
apenas conceitual e especulativamente. Assim
é que um método meramente histórico-crítico positivo não dá conta de toda a
complexidade da figura de Jesus de Nazaré e de seu significado para a fé cristã
e a teologia.
O
Cristo da fé, portanto, de acordo
com os teólogos contemporâneos, não é um conceito cristológico oposto ao do Jesus histórico, mas o integra e assume
em sua totalidade. A unidade dinâmica entre o Jesus histórico e o Senhor
ressuscitado e exaltado à direita do Pai - este é o Cristo da fé, este é Aquele
que é confessado pela boca das testemunhas, "que viram e dão
testemunho", esta é a figura central dos Evangelhos e de todo o Novo
Testamento. O coração deste Jesus que viveu entre os homens e mulheres e os /
as marcou com sua presença e seu amor é, portanto, o centro da experiência amorosa
relacional que mobiliza pessoas e grupos que nele creem como seu Senhor e seu
Deus.
Os
Evangelhos não são biografias, nem o Novo Testamento em sua totalidade, um
documento meramente histórico. Mas,
sobre uma base histórica real e autêntica, os autores neotestamentários
oferecem sua interpretação de fé dos fatos histórico-transcendentes que marcam
a vida, morte e ressurreição de Jesus.
Aproximar-se dele é aproximar-se do mistério de sua pessoa, de sua figura,
e por ela ser interpelado em cada momento histórico e cultural que toca à
humanidade viver.
Por não ser simplesmente uma figura
histórica entre outras, Jesus Cristo é referência para todas as pessoas de
todos os tempos e lugares. Por não ser
apenas uma projeção das primeiras comunidades, mas ter solidez histórica, Jesus
Cristo pode ajudar concretamente a cada homem e a cada mulher em sua inserção
real e histórica, em suas circunstâncias espaço-temporais. Os nomes e títulos com que as testemunhas chamaram
a este que confessaram como seu Senhor, podem ajudar-nos a compreender algo
mais de sua complexa e fascinante identidade.
A
designação de Jesus como Senhor corresponde ao tratamento que se dava ao
Jesus terreno. Possivelmente remete ao título de rabbi (mestre), implicando o
reconhecimento de sua pessoa como senhor, assim como a disposição de
obedecer-lhe (cf. Mt 7,21; 21, 29 ss: Lc
6,46). Isto faz com que Jesus esteja por cima das instituições humanas e
religiosas, como o Sábado, e significa que as palavras do Jesus terreno tenham
autoridade inquestionável para a comunidade, inclusive depois de sua morte e
ressurreição. A invocação de fé Senhor significa que a comunidade neotestamentária se
submete a seu Senhor (Fil 2,11). Como
Senhor exaltado, Jesus Cristo domina
sobre toda a humanidade e todo o cosmos. Diante dele, todos os seres do cosmos
dobrarão os joelhos, uma vez que honrando a ele, se honra ao próprio Deus Pai,
à direita do qual ele está (Ef. 1,20; 1
Pe 3,22). Desta forma, Jesus Cristo recebe os mesmos títulos que Deus (cf. 1 Tim 6,15; cf. Dn 2,47). E por sua
divindade e a graça que nos concede, permite-nos que nosso coração tenha os
mesmos sentimentos que os seus: compaixão, perdão, misericórdia, amor sem
limites.
No
entanto, a proclamação de Jesus Cristo como Senhor tem uma particularidade que
a faz diferente de todos os outros senhorios e completa o perfil deste Senhor
que é o centro da fé cristã desde as origens até nossos dias. O senhorio de Jesus Cristo é inseparável de seu serviço. Seu senhorio se revela num serviço humilde e sem
triunfalismo. O Senhor exaltado é
inseparavelmente o Servo de Deus e é por causa da sua condição de servo que se
lhe pode proclamar Senhor. O conceito de
Servo, presente por exemplo em Mc 10,44, tem indubitavelmente o pano de fundo
de Is 53, centro de interesse dos cânticos do servo
de Deus, que segundo uma antiga tradição foi aplicado a Jesus. Este tema perpassa todos os Evangelhos
Sinóticos, ainda que muitas vezes não expresso com a palavra servo.
Assim
Jesus Cristo, o Senhor exaltado à direita de Deus Pai, é inseparavelmente o
servo que se esvazia das prerrogativas gloriosas de sua condição divina, para
entrar num caminho de obediência que o levará até o sacrifício da cruz (cf. Fil 2,5ss). Ele é o cordeiro que por
seu sacrifício tira o pecado do mundo (Jo
1,29; At 8,32, 1 Pe 1,19). Isso
implica, para todos os cristãos, que entrar no caminho de Jesus Cristo é
inelutavelmente entrar em sua obediência, em seu serviço humilde, em sua
fidelidade ao Abbá=Pai, até a morte de cruz, em seu amor aos irmãos até dar por
eles a vida. Somente então se poderá
participar em sua glória, na medida em que a infinita ciência e o senhorio de
Deus o determinem.
Por
isso, crer e invocar o Coração de Jesus é buscar ter e ser animado pelos mesmos
sentimentos de seu coração. A figura de Jesus Cristo no Novo Testamento une
constantemente o presente e o futuro.
Não é uma figura dualista, que se feche na oposição entre o terreno e o
celestial. Na pessoa de Jesus Cristo
estão definitivamente reconciliados e em feliz síntese, Deus e o homem, a
Palavra e a perfeita escuta obediente, a revelação e a fé, a história e a
interpretação da fé, a terra e o céu, a carne e o espírito.
Portanto,
a mesma e única salvação já está aí por inteiro, e afeta e resgata os corpos de
cada indivíduo, o corpo da sociedade e da Igreja dos homens e mulheres. Mas não
somente isto, senão que é também promessa escatológica. Assim como a criação
original, que é feita por Deus em Cristo, é sempre atual, assim também o céu
está já presente na terra, havendo esta sido definitivamente invadida por
aquele na Encarnação do Verbo. Assim
também a terra será escatologicamente transformada, por aquilo que já está dado
pela encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, por sua presença
que estabelece uma nova rede de relações e inaugura um cosmos novo.
Trata-se de um mundo onde o banquete
eucarístico reúne a todos num intercâmbio fraterno, no qual cada um tem sua
parte sem detrimento para os outros. A metáfora do banquete, muito usada pelo
próprio Jesus, revela de maneira excelente o que é a salvação de Jesus Cristo,
uma vez que nele se revela não somente o que Deus quer e faz em favor do homem
e da mulher, mas o que é Deus mesmo. Deus não é um teorema, um mistério lógico,
mas é mistério de salvação, mistério de comunhão que atrai e possibilita, em
Jesus Cristo, o acesso à comunhão profunda com ele.
Esta salvação se dá num mundo
atravessado pelo conflito e pela morte, e por isto seus sinais são precários e
muitas vezes frágeis. Olhando para Jesus
Cristo, no entanto, podemos assumir esse duro combate e essa luta sem quartel,
com o mesmo espírito do Servo de Deus, que se esvaziou a si mesmo, se fez
obediente até a morte, tomando sobre si a violência e o pecado do mundo. Assim os cristãos terão a força de manter-se
de pé, com os pés bem fincados no presente e os olhos cheios de esperança,
olhando para o horizonte que é todo ocupado por Jesus Cristo, vencedor do
pecado e de todo o mal. Assim aqueles que creem e seguem a Jesus Cristo poderão
pedir e experimentar o que significa ter um coração semelhante ao seu.
“Jesus, manso e
humilde de coração, fazei nosso coração semelhante ao vosso”